A Reforma Tributária criou mais uma cascata de Impostos? Afinal, não teremos o fim do manicômio fiscal?
Nos debates recentes sobre a Reforma Tributária, um dos temas mais comentados tem sido a suposta criação de uma “nova cascata de impostos”. Mas será que essa crítica procede? Neste artigo, o tributarista Ronaldo Dias Oliveira explica, com base em décadas de experiência prática e em dispositivos legais, que a tributação “por dentro” — onde o imposto compõe a própria base de cálculo — sempre existiu no modelo brasileiro. A nova Reforma, em vez de criar distorções, busca corrigir um sistema historicamente disfuncional, com transição gradual até 2033, substituindo o modelo cumulativo por uma estrutura mais transparente, creditável e racional. Uma leitura essencial para empresários, contadores e executivos que desejam entender a fundo o processo de transformação fiscal em curso — sem alarmismo e com base técnica.
Ronaldo Dias Oliveira
10/13/20255 min read


Há mais de três décadas, vivo o sistema tributário brasileiro por dentro, e não apenas na teoria. Vi regimes nascerem, incentivos se sobreporem, litígios e contenciosos se acumularem e a complexidade se enraizar como um traço da nossa cultura fiscal.
Nos últimos sete anos, venho acompanhando a Reforma Tributária com intensidade e profundidade.
E, como eu sempre digo: não dá para sair do inferno do manicômio tributário, direto para o lindo céu da simplificação e racionalidade fiscal, sem passar antes um bom tempo no purgatório.
Estamos reformando nossa casa enquanto ainda moramos dentro dela. Inclusive nosso quarto está sendo reformado e isso, claro, causa barulho e desconforto e “quem consegue dormir com um barulho desses, não é mesmo?”
Uma das críticas que vêm sendo disseminadas agora, é de que a nova base de cálculo “inclui os tributos” no valor da operação, gerando uma nova distorção, uma cascata de imposto sobre imposto.
Agora convenhamos, a cascata de impostos já existia, ou nao ? Será que foi a reforma que a criou?
Ou isso é, tecnicamente, o que já acontece com os tributos atuais há décadas?
Vejamos alguns exemplos para ilustrar essa trágica constatação, que inclusive motivou uma dificílima reforma ser aprovada após décadas de discussões, analisando os impostos que estão sendo extintos ao longo do processo de transição:
ICMS: Tem base de cálculo “por dentro”, conforme o art. 13, § 1º, I, da LC 87/1996, que expressamente determina: “Integra a base de cálculo do ICMS o valor do próprio imposto.” Ou seja, o ICMS já incide sobre ele mesmo, e isso foi reconhecido pelo STF no julgamento do RE 582.461/MG.
ISSQN: Também possui base de cálculo por dentro, como previsto no art. 7º, §2º, da LC 116/2003: “Integra a base de cálculo do ISS o valor do próprio imposto, salvo disposição em contrário da legislação municipal.”
PIS e Cofins (Cumulativos e Não Cumulativos): O STF já firmou entendimento de que o ICMS não deve compor a base de cálculo do PIS e da Cofins (RE 574.706), o que confirma justamente que antes ele era incluído, ou seja, essa prática de “tributar tributo” sempre esteve presente.
Em outras palavras: o problema da “cascata” é estrutural do nosso modelo atual, e não uma invenção da reforma.
A reforma, na verdade, está criando a vacina, mas ela precisa de tempo pra agir neste organismo já debilitado e com doença terminal (o sistema tributário atual sobre o consumo), cuja morte está prevista pra ocorrer em alguns anos, tendo o paciente, portanto, muito pouco tempo de vida).
A EC 132/2023, em seu art. 118 e seguintes do ADCT, estabelece um período de transição até 2033. Durante esse tempo, coexistem o sistema antigo (ICMS, ISS, PIS, Cofins) e o novo (IBS, CBS). É uma convivência necessária para garantir segurança jurídica e permitir que as empresas se adaptem.
Por isso, não é possível desligar os aparelhos do paciente (sistema antigo) da noite pro dia, pois isso pode comprometer a interpretação do novo paradigma, onde empresas e todo o arcabouço tributário atual está assentado. O que poderia interferir em contratos, segurança jurídica etc.
A LC 214/2025 confirma que a CBS começa a valer com efeitos financeiros reais a partir de 2027, e o IBS em 2029 (com fase de teste em 2026). Até lá, as regras de cálculo, inclusive a formação de preços com base “por dentro”, continuam vigentes para os tributos antigos, enquanto IBS e CBS adotam base “por fora”, excluindo o próprio tributo (art. 12, § 2º, I).
O novo modelo (IBS/CBS) trará não cumulatividade plena, transparência e destaque no documento fiscal, mas isso só será sentido plenamente com a extinção dos tributos antigos.
A base da crítica é legítima, porém, o alvo está errado. Não se trata de defender cegamente a reforma, ela traz desafios, inclusive de interpretação e de transição.
Mas é importante dizer, com o devido respeito aos colegas tributaristas: não é correto afirmar que há uma nova distorção sendo criada agora. O que há é a manutenção, temporária, das regras que sempre foram distorcidas, durante a transição do velho pro novo modelo já plenamente calculado totalmente por fora dos preços.
É como reformar uma casa com a família ainda morando dentro: há poeira, barulho, desconforto. Mas o projeto está aprovado, os materiais estão chegando e os engenheiros (nós, contadores e tributaristas) precisamos manter o foco na estrutura que está sendo erguida.
Desse modo podemos concluir, que a reforma está construindo um legado, não uma ficção que muda ao sabor do governante de plantão. Por isso está assentada sobre o alicerce de uma emenda constitucional, destruindo “por dentro” (olha o trocadilho) o Velho modelo e subindo um totalmente novo e mais moderno no lugar.
A lógica de “tributar tributo” está sendo gradualmente desmontada. A transição é complexa? Sim. Poderia ser melhor comunicada? Com certeza. Mas a direção é correta: simplificar, destacar, permitir crédito pleno, eliminar obrigações acessórias redundantes, acabar com a guerra fiscal e digitalizar os fluxos.
O Brasil está deixando de ser o país com o sistema tributário mais disfuncional do mundo. Mas isso leva tempo e exige que a gente estude e interprete com responsabilidade, além de ter uma postura de colaboração e trabalho conjunto de toda a sociedade para que a morte desse paciente terminal (velho sistema tributário) não leve junto toda a estrutura do hospital, com litígios, pessimismo e alarmismos, que dificultam o processo e causam mais malefícios que benefícios, por levar informações com meias verdades ou até mesmo, foco no vilão errado, na hora de criticar o absurdo que são as leis tributárias no nosso país.
Então como missão final para todos nós, deixo que precisamos usar todos os EPI’s necessários para passar essa reforma com segurança e resiliência.
Não tenho como não citar mais um ditado popular : “os transtornos incomodam, mas passam, já os benefícios permanecem”. Esse dede ser o nosso olhar sobre essa revolução no nosso ambiente de negócios. A economia, os empreendedores e o futuro da profissão e resgate do verdadeiro papel do contador, agradecerão.
Até a próxima. Deixo uma frase que um colega falava antes da reforma ser ainda aprovada : Somos a geração que vai mudar o sistema tributário nacional. 🤌🏻
Ronaldo Dias Oliveira, tributarista.
Referências legais e técnicas:
EC 132/2023, arts. 118 a 131 do ADCT Transição para o novo sistema
LC 214/2025, arts. 4º e 12 – Incidência e base de cálculo do IBS e CBS
LC 87/1996 (Lei Kandir), art. 13, §1º, I – ICMS com base de cálculo por dentro
LC 116/2003, art. 7º, §2º – ISSQN com base de cálculo por dentro.
RE 574.706 – STF – Exclusão do ICMS da base do PIS/Cofins (confirma a prática antiga de tributação em cascata)
RE 582.461/MG – STF – Reconhece a legalidade do ICMS por dentro
Nota Técnica 2025.002 RTC – Março 2025 – Confirma a continuidade de regras do modelo atual durante a transição.
